Em tempos de velocidade, ruído e engodo, escrever continua sendo um ato deliberado de construção. Não apenas de frases, mas de sentido, de presença, de mundo…
Por isso, escrever, também, exige escolhas. E toda escolha revela de que matéria é feita a voz que escreve. Escrever não é apenas juntar palavras, é escolher os recursos certos com que se entra no mundo. Às vezes, é preciso persuadir. Em outras, confrontar ideias, construir argumentos, ou simplesmente cantar o que não pode ser dito em prosa. Toda boa escrita, no fundo, nasce do domínio de quatro forças ancestrais: a retórica, a dialética, a lógica analítica e a poética. Como espelhos que revelam lados distintos da linguagem, essas quatro faces estruturam o discurso humano, e, por extensão, o pensamento que deseja tocar o outro.
1. A Retórica: A Arte de Convencer
É a máscara do orador. A retórica serve ao desejo de mover corações e mentes, ainda que por atalhos emocionais. Está presente nos discursos políticos, nos sermões antigos, nas cartas de amor cuidadosamente estruturadas. É o discurso que deseja conquistar. E por isso precisa de ritmo, imagem e astúcia. Um bom texto retórico sabe para quem fala, e por quê. É onde o escritor se torna também estrategista.
2. A Dialética: A Arte do Confronto e da Escuta
Se a retórica mira o outro, a dialética nasce do embate com o outro. É o que move diálogos filosóficos, como os de Platão, ou conversas internas em que uma ideia contraria a outra até que reste algo mais refinado. A escrita dialética não impõe, ela investiga, pergunta e questiona certezas. Além de convidar o leitor a fazer o mesmo. Seu lugar não é o púlpito (uma plataforma onde é feito o discurso, sem interlocução), mas a ágora (um local público, onde todos têm acesso e interação). Seu tom é o da humildade diante da complexidade.
3. A Lógica Analítica: A Estrutura da Clareza
Aqui entra a “matemática” da linguagem. A lógica analítica é o esqueleto invisível de qualquer raciocínio que se quer sólido. Quando escrevemos com clareza, concatenando ideias, evitando falácias e construindo conexões rigorosas, estamos sob o domínio dessa face. É o modo mais sóbrio da escrita, mas também o mais necessário, especialmente em tempos de ruído e excesso de opinião.
4. A Poética: A Linguagem da Alma
Por fim, a poética. A que não precisa provar nada, nem convencer ninguém. Apenas revelar. É o território das metáforas, das imagens, dos sentimentos que só podem ser insinuados, nunca explicados por completo. A poética é filha do símbolo, da emoção e do mistério. Ela não se preocupa com a lógica, porque lida com aquilo que está além dela. É quando escrevemos para tocar o intocável.
Escrever bem, no fim, talvez seja saber quando usar cada uma dessas vozes. Ser ora advogado, ora filósofo, ora matemático, ora poeta. Quem domina as quatro faces do discurso não apenas escreve, mas interpreta o mundo, molda realidades, atravessa o tempo e toca a alma. Como diziam os antigos, verba volant1, scripta manent2, mas quando as palavras são bem escolhidas, elas não apenas permanecem. Elas são capazes de transformar.
E quem lê, também escolhe uma escuta. Que tipo de escrita o atravessa e o transforma? Escrever é escolher o tom com que queremos existir no mundo.
Nos reencontramos na próxima página.
Com estima, Maura Curadora da Amo Livros
Verba volant: “as palavras voam, os escritos permanecem.”.
Scripta manent: “o escrito permanece.”.